Pobreza e Fome. Parte II: Desenvolvimento Sustentável.
Fome e Pobreza — População, terra cultivável, ocupação, água, Clima. — Cidadania e Responsabilidade.
Parte II: Desenvolvimento Sustentável.
Desenvolvimento Social Sustentável.
Por este mesmo motivo seria de grande utilidade que uma visão de Situação Sustentável fosse adotada a nível global, como meta do Desenvolvimento Sustentável de forma explícita. Não se chegou a este ponto de conscientização nas ODS.
A Situação Socialmente Sustentável estaria definida por características como:
- Todas as pessoas / famílias se autossustentam através de contribuições de produção, ou seja, trabalho próprio.
- Nível de educação mínimo para uma Ocupação Adequada e exercício de Cidadania na base da pirâmide social.
- Está eliminada a miséria como condição social hereditária e existem oportunidades para a ascensão social.
Nesta proposta está evidenciado que a superação da fome não é suficiente para a superação da pobreza. A Ocupação Adequada produziria uma renda – a Renda Adequada – para o financiamento de um conforto mínimo eticamente aceitável além do alimento, compreendendo vestimenta, abrigo, e os serviços de mobilidade, educação, saúde e segurança.
A Situação Sustentável é global e o conceito da Renda Adequada transporta para o âmbito global o empenho pela remuneração do trabalho vivenciado no passado nas sociedades consideradas desenvolvidas.
Em alguns casos a explicitação não é difícil: A remuneração nos países de “baixa renda” fora da Europa e dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão, por trabalhos agrários, de manufatura e industriais de toda natureza como cultivo de flores e frutas, tecelagem e confecção, sapatos, montagem de equipamentos, serviços de comunicação etc. Outro exemplo é a finalização de trabalho em condições de escravidão no ramo de mineração. Regulamentações globais contra tais exageros dos mercados serão indispensáveis. Regulamentações deverão também coibir a exportação de gêneros industrializados que destroem a produção local de alimentos. A globalização é um fenômeno positivo para a distribuição de trabalho e renda, mas precisa ser aperfeiçoado.
Todavia, regulamentações dificilmente podem ser impostas a sociedades soberanas. Muitas dependerão de atitudes, de ações voluntárias de desistência de vantagens percebidas como sendo injustas. E a avaliação da adequação evolui e depende de percepções culturais locais. As condições de vida nas ilhas do Oceano Pacífico, no Tibete, nas culturas agrárias da América Latina, na Índia e no Paquistão, nas regiões mais pobres da África, ou de esquimós e assim por adiante não são avaliáveis por um padrão mesmo padrão. Mesmo o critério da renda diária é precário. Qual a renda diária de um índio na selva?
Fica evidenciado que o Desenvolvimento Social Sustentável é em primeira instância uma tarefa de cada sociedade nacional. Um grande passo seria dado se os países apresentassem Projetos Nacionais de Desenvolvimento Sustentável, compreendendo o Desenvolvimento Social. Os aspectos das possibilidades de ocupação e de renda, de alimentação, da urbanização, do saneamento, da saúde e da educação seriam então mais facilmente entendidos.
Desenvolvimento da população global e alimentação.
Objetivamente, a pobreza e a ocorrência de fome diminuiu no ambiente global, contrariando as afirmações ainda repetidas devidas a falta de informação ou a interesses ideológicos. Tanto o desenvolvimento econômico da China, como a globalização da produção – migração de indústrias para países “de baixo custo de mão de obra” – contribuíram para este desenvolvimento. Embora esta tendência de um Desenvolvimento Social Sustentável difuso tenda a continuar, o compromisso ético da redenção dos miseráveis remanescentes não diminui (vide os números no início deste ensaio). Vários países, inclusive o Brasil, devem à comunidade humana Projetos para o Desenvolvimento Sustentável com a dimensão da erradicação da pobreza. Acontece que esta categoria de ação ainda não é discutida.
Atualmente, as preocupações oficiais focam a possibilidade de falta de alimentos para uma população mundial, que ainda aumenta em número de habitantes. Na realidade se constata que nas sociedades desenvolvidas o índice de natalidade se tem reduzido. Apesar do aumento da expectativa de vida e do resultante envelhecimento de populações, no Japão e na Europa as populações declinam. O aumento do nível de instrução, principalmente das mulheres também tem contribuído para a redução da velocidade de crescimento de populações menos desenvolvidas.
Ainda assim se estima, que do atual nível de 7 bilhões de habitantes se alcançará um número ao nível de 9 bilhões na metade deste século. Hoje de fato existem alimentos suficientes para prover todos os famintos, não fossem problemas de distribuição. A grande dúvida é se será produzir alimentos suficientes para a população aumentada e ao mesmo tempo atingir a meta de footprint igual a UM.
Existência, disponibilidade e custo de alimentos.
Este desafio parece assustador, embora a sua superação seja uma condição do estabelecimento de uma Situação Sustentável. Até pode ser considerado como falha da ODS / SDG de não figurar explicitamente no primeiro plano entre as Metas. Hoje o desenvolvimento para a alimentação garantida nos limites da pegada ecológica não está equacionado.
No entanto se pode compor a cena de fatos, comportamentos, percepções, ações possíveis atuais e tentar estimar um desenvolvimento possível do contexto.
Inicialmente se compreenda que a produção de alimentos é um tema complexo: Vai de uma dimensão industrial até à produção artesanal – familiar. Por razões óbvias sempre fez parte das preocupações com a segurança nacional das sociedades.
Não apenas por esta razão a produção deve ser de preferência regional e até mesmo urbana. Os custos logísticos seriam assim minimizados. E contribuiria para a ocupação da população local. Caso este critério fosse universalmente aceito e observado, uma série de ocorrências de deficiências alimentares na África seriam mais facilmente sanadas.
Três aspectos de comportamento e de vontade contribuiriam significativamente para a disponibilidade e a redução do custo de alimentos:
– Desperdícios. Uma parcela assustadoramente grande das colheitas se perde no trajeto do campo até os pratos. Deterioração por falhas no armazenamento, perdas nos transportes, pragas como roedores estão entre as causas. O descarte no comércio, por exigências de qualidade / aspecto também é significativo. As previsões de aumento da população e as estatísticas / levantamentos dos desperdícios grosso modo são equivalentes. Isto indica, que a preocupação com possibilidades de aumento de produção de alimentos é exagerada.
– Estatísticas revelam que a mortalidade por excesso de alimentação, de obesidade e doenças correlatas supera, a mortalidade por insuficiência de alimentação.
– Um controle dos hábitos alimentares com limitação de ingerência de proteínas animais teria um impacto considerável na disponibilidade de alimentos pelo fato da baixa produtividade da conversão de rações e água em carnes – por volta de 10%.
A produtividade agrária tem aumentado continuamente. Contribui o desenvolvimento de espécies, a mecanização, o controle da adubação. Melhorias nas pastagens e no manejo aumentaram a produtividade na pecuária. Existem espaços para expandir culturas aquáticas. Em conjunto com os melhores cuidados na comercialização e no consumo isto significa que não seria necessária a expansão da área cultivada a fim de prover alimentos para a humanidade.
A controvérsia do aumento de preços para alimentos porque em parte são processados na produção de etanol e de outros biocombustíveis acomodar-se-á na medida do progresso do emprego de acionamentos elétricos e híbridos para veículos. No caso do processamento de cana de açúcar até é mesmo equivocada, pois na maioria das usinas o álcool é coproduto do açúcar. Por outro lado o emprego de biodiesel nas fazendas produtoras de soja no oeste brasileiro dispensaria o transporte a longas distâncias de combustível fóssil com consumo de combustível fóssil. O assunto não pode ser tratado de forma genérica: Há de se considerar a localidade e a fonte orgânica específica. O espaço de aplicação se reduzirá.
As Mudanças Climáticas causam o depauperamento da fertilidade de grandes extensões de terra, chegando a desertificações. Esta ameaça hoje é amplamente reconhecida, após o quarto relatório do IPCC publicado em 2002.
Por isso as sociedades – países – têm uma Responsabilidade diante da Humanidade de reduzirem com a máxima velocidade possível as emissões de gases causadores do efeito estufa – GEE -, terminarem imediatamente com os desflorestamentos e promoverem a restauração da natureza, onde possível. Esta Responsabilidade ainda não foi explicitada na COP 21, celebrada em Paris no fim de 2015, nem nas ODS / SDG. Aplicadas ao Brasil compreenderiam a finalização dos desmatamentos, a recuperação do Cerrado e de Florestas com saneamento de bacias hidrográficas e a promoção das energias renováveis eólica, solar e bioenergia. Num prazo de 15 anos o Brasil poderia se converter num sumidouro de GEE e ao mesmo tempo garantir a produção de alimentos.
Conclusão.
Contemplando conjuntamente os componentes da cena atual (2016) reunidos em analogia com um sistema de equações, podemos intuir que
– ordenamentos ditados pela sensatez econômica e logística,
– o desenvolvimento difuso de comportamentos favorecidos pelo melhor conhecimento,
– ações técnicas e administrativas de racionalização econômica,
– os progressos tecnológicos inclusive a difusão das tecnologias de geração de energia com fontes renováveis,
– aumentos de produtividade agrária e pastoril,
– possíveis políticas e projetos oficiais, inclusive as de mitigação de Mudanças Climáticas,
reduzirão a pressão pelo aumento da área cultivada podendo resultar numa cena favorável em 2030 – horizonte das ODS / SDG -, em comparação com as apreensões sentidas atualmente.
Os Projetos de Desenvolvimento Sustentável oficiais, ainda a ser formulados, deverão favorecer a ocupação nas bases das pirâmides sociais. Mas nenhuma estimativa pode ser adiantada sobre um desenvolvimento na direção de uma pegada ecológica – footprint – unitária.
É curiosa a aparência de que os fatores destacados existem à revelia das ODS / SDG, estando ancoradas em motivações econômicas. Efetivamente, as ODS / SDG são formuladas “top down” e poucos cidadãos tomam conhecimento. Os exemplos de insensatez acusados nos noticiários são causados por cupidez na exploração de situações de curto prazo.
Como promover uma aceleração do Desenvolvimento Sustentável?
Depreende-se das constatações anteriores, que a chave para o Desenvolvimento está na configuração de uma Cidadania consciente e determinada. A determinação está fundamentada em percepções e atitudes de Responsabilidade.
Então a primeira ação a ser desempenhada por organizações engajadas, a exemplo de ONGs, universidades e órgãos da mídia, é a divulgação e a discussão pública das ODS / SDG o mais intensivamente que estiver aos seus alcances. Como as condições de vida miseráveis e a fome são particularmente propensas a motivar engajamentos, podem encabeçar a longa lista de assuntos e metas. É importante que os temas – conceitos – da Responsabilidade e da Cidadania sejam insistentemente articuladas, mesmo para compensar lacunas na educação familiar e formal.
Além de organizar a vida cotidiana em consonância com as metas e as responsabilidades percebidas, assim produzindo um desenvolvimento difuso, por exemplo, através de um consumo consciente, a Cidadania atuará sobre os representantes, que eleger, para que promovam Políticas e Projetos para o Desenvolvimento Ambiental, Social e Econômico Sustentável. Isto vale para todos os países; em alguns o estado de conscientização está mais adiantado.
Para o Brasil isto significará que a Sociedade Organizada, a Cidadania:
- Manifestará a indignação com as ocorrências de pobreza grave nas áreas rurais e urbanas. A pobreza deverá ser superada via ofertas de trabalho, para que as condições de vida melhoradas sejam sustentáveis.
- Exigirá a terminação dos desflorestamentos e dos extrativismos predatórios.
- Reivindicará a criação de oportunidades de trabalho na proteção dos biomas – polícia florestal -, na recuperação de áreas degradadas, na recuperação de bacias hidrográficas.
- Clamará pelo investimento nas fontes de energia renovável eólica, solar e biológica, assim como no saneamento básico com seus potenciais de criação de empregos.
Em suma, cobrará uma ruptura das práticas políticas para a solução dos problemas prioritários conhecidos e cujas soluções estão fora do alcance da iniciativa privada. Então o Desenvolvimento Econômico será sustentado por um consumo – mercado – interno “sustentável”.
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