Paz no Oriente Médio: Sonho e Visão. [2016]
Paz no Oriente Médio: Sonho e Visão. [2016]
Posicionamento básico:
Ninguém deve ser contrário à avaliação de que os conflitos na Síria e no Iraque são absurdos civilizatórios e humanitários devendo ser terminados no prazo mais curto possível, incondicionalmente. Os sofrimentos noticiados diariamente envergonham a comunidade da humanidade. A mesma avaliação se aplica a toda a região da África Mediterrânea e aos demais conflitos na África. Mas o foco das considerações neste ensaio estará nos acontecimentos na região do Oriente Médio.
O fato de chacinas acontecerem em sítios remotos não justifica insensibilidade e omissão, como se tem tido tradicionalmente, embora seja natural que cada sociedade tenha as prioridades voltadas aos problemas mais próximos. As questões éticas implicam em Responsabilidades, que são, por princípio, indivisíveis, quer sejam ou não sejam desempenhadas.
Causas:
Apontam-se as decisões dos vencedores da Primeira Guerra Mundial – ingleses e franceses – sobre a divisão do império otomano e a intervenções recentes para depor tiranos como Saddam Hussein, no Iraque, e Kadaffi, na Líbia, como as principais causas dos conflitos armados atuais. No segundo caso interesses pelo domínio de fontes de petróleo seria uma explicação de mais fácil compreensão.
A atribuição a divergências religiosas no âmbito da cultura muçulmana como causa de conflitos insolúveis é, no mínimo, simplista. Comunidades sunitas e xiitas têm convivido entre si e com comunidades cristãs sempre que não instigadas por atores políticos. Todas são antes de tudo vítimas.
Seja como for, as explicações de interesses históricos não aproximam encaminhamentos para a finalização das mortandades e das ondas de refugiados. E uma manutenção de ordem por intermédio de tiranos não será duradoura, como demonstram as experiências.
Existem antagonismos pelo domínio na região em que divergências históricas entre sunitas e xiitas estão associadas a interesses econômicos: De um lado sunitas extremistas da Arábia Saudita, e do outro xiitas conservadores no Irã. Ambos são detentores de enormes reservas de petróleo.
Dos componentes do problema da região:
– Da religião islâmica.
O islamismo é praticado por aproximadamente 1,3 bilhões de pessoas, número da ordem de grandeza dos cristãos. Além do Oriente médio é a religião dominante na África Mediterrânea, na África em geral, no Paquistão, na Indonésia, em regiões da extinta União Soviética. Na Indonésia se desenvolveu um regime de governo democrático. Um pressuposto de associação de islamismo com regime de governo necessariamente autoritário não é consistente, apesar dos sultanatos históricos.
Faz parte da realidade que os países de cultura islâmica não participaram do desenvolvimento científico e tecnológico ocorrido desde o Renascimento Europeu, após a queda de Constantinopla em 1456. Os muçulmanos desdenharam os desenvolvimentos no âmbito dos “infiéis”. Por consequência os hábitos culturais também não evoluíram. Foram rechaçados nas tentativas de conquista na Europa. Na África e na Indonésia foram colonizados. Ainda hoje nenhum país com religião dominante maometana figura entre os países desenvolvidos. Estas circunstâncias são propícias à configurações de recalques com dimensões hostis ao “ocidente”.
– Da posição da Turquia.
A Turquia atual é um torso que restou de um califado que abrangeu os Bálcãs e o Oriente Médio, então dominando povos não turcos. Ainda é o único país que se estende da Europa à Ásia. A religião dominante é o islamismo sunita, mas o governo é formalmente laico e, até agora, eleito democraticamente. A Turquia está integrada à OTAN / NATO, à comunidade de defesa Organização do Tratado do Atlântico Norte. A Alemanha destacou um contingente militar antiaéreo e aviões para a fronteira com a Síria. A Turquia tem um conflito com o povo curdo, que dificulta a integração de Turquia na União Europeia, a rigor um desenvolvimento desejável. Com 80 milhões de habitantes, PIB/h de US$ 18.300,00 e IDH 0,761 não é um país pobre. Com fronteiras do lado asiático com a Geórgia, a Armênia, ambas no domínio da desmantelada União Soviética, o Iran, o Iraque e a Síria, a Turquia está numa posição estratégica nos limites dos conflitos no Oriente Médio. Recebeu e acomodou um grande número de fugitivos. O posicionamento em relação ao “Estado Islâmico” não é transparente.
A atual intervenção militar na Síria e contra os combatentes curdos contra e o EI tem feições de política imperialista. A ONU deveria condenar.
– Da posição dos Estados Unidos.
Deve ser acertado considerar que os Estados Unidos desejam a finalização dos conflitos de imediato. Depois de uma incursão vitoriosa em defesa do Kuwait aventurou-se na deposição do tirano Saddam Hussein do Iraque e na instalação de um regime de governo democrático no Iraque. Não logrou ganhar a paz entre sunitas e xiitas. Com a retirada da maioria das tropas o conflito deflagrou. Contingentes islamitas proclamaram um “Estado Islâmico” [EI]. Este “Estado Islâmico” promove atentados terroristas na Europa e nos Estados Unidos.
Depois que os Estados Unidos se tornaram autárquicos em relação ao petróleo através da exploração do xisto e dos avanços das fontes alternativas de energia, os interesses econômicos na região minguaram. O ainda presidente Barack Obama, possivelmente, vê com frustração o desenvolvimento da cena. De qualquer forma pode-se tomar como certo que o eleitorado americano não apoiaria uma intervenção com envio de numerosos contingentes humanos com o objetivo de extinguir o EI.
– Da posição da União Europeia.
Com certeza pode-se afirmar que a União Europeia deseja que o conflito no Oriente Médio não existisse, mas que não tem um conceito para sua finalização. Não tem disposição nem recursos para uma intervenção militar. Mesmo na ocasião dos conflitos na Iugoslávia, se fez necessária uma iniciativa dos Estados Unidos / NATO para abafar os combates. Hoje contingentes militares alemães estão estacionados no Kosovo. E diversos países dos Bálcãs almejam o ingresso na União Europeia.
Entretanto, o surpreendente fluxo de numerosos fugitivos da região de conflito causam problemas de recepção, abrigo e integração. A maioria das sociedades é refratária aos imigrantes. De fato a capacidade de absorção é, por natureza, limitada. O voto britânico pela saída da União Europeia foi fundado nos receios das consequências da imigração numerosa.
De fato a situação é insustentável e requer uma solução urgente. A solução só pode significar a finalização dos conflitos. Esta, muito provavelmente, só será possível através de uma ação coordenada da NATO, declarada ou subentendida, com algum apoio de ‘países árabes’. Agora já atuam conjuntamente forças turcas e americanas. Qual seria o destino do tirano sírio?
– Da posição do Iran.
O Iran é sede da versão xiita do islamismo. Por isso apoia o partido xiita no Iraque, que não soube formar uma coligação com os sunitas e domina a região produtora de petróleo. Pelas mesmas razões sustenta o governo da Síria e os contingentes Hitzbolah, originalmente combatentes contra Israel. Após à formalização de um tratado de contenção do programa nuclear, o Iran recupera relacionamentos comerciais com os países da União Europeia e a exportação de petróleo.
– Da posição da Rússia.
Estando a Rússia sob um regime praticamente autoritário, onde predomina a vontade do mandatário, no caso Putin, só se podem conjecturar hipóteses sobre o seu comportamento. O intuito de voltar a atuar como potência e o intuito de ganhar influência na região do conflito até então na influência dos Estados Unidos são de alta probabilidade. Daí resulta uma tentativa de alinhamento com o Iran na proteção do governo da Síria e do Hitzbolah.
Mas os ataques aéreos a partir de bases no Iran foram suspensos. Não é pensável que a Turquia troque o pertencimento à NATO por uma aliança com a Rússia. Antes é possível uma confrontação de tropas turcas com a base naval russa na Síria. Esta base ficaria sem apoio depois da queda do tirano sírio. Putin precisa se precaver de reações de populações islâmicas nos seus domínios. Portanto, parece provável, que as investidas russas resultem tão somente de devaneios inconsistentes de um potentado ambicioso.
– Do “Estado Islâmico” – EI.
O “Estado Islâmico” emergiu do conflito entre sunitas e xiitas no Iraque. O EI é contrário ao governo alauita – facção xiita – da Síria, sediado em Damasco. O EI também é contrário ao governo do Iraque, sediado em Bagdad, e também xiita. Divulga o extremo fanatismo religioso e pratica atos de macabro terrorismo, chegando ao assassinato-suicida e a liquidações em massa. Não existe a mínima base de sustentação para uma negociação com o “Estado Islâmico”. É razoável prever que sua existência seja efêmera; não é reconhecido e não tem aliados, a menos que, sub-repticiamente, tenha apoio da Arábia Saudita. No momento se encontra na defensiva.
Há de se esperar que a rejeição internacional unânime sirva de lição – tardia – para o desenvolvimento das instituições informais e formais de uma humanidade civilizada no âmbito das sociedades com cultura dominante muçulmana.
– Da posição de Israel e dos países muçulmanos Iran e árabes.
Nenhuma referência a Israel consta acima, porque Israel não está envolvido com os conflitos no ‘mundo muçulmano’.
Todavia o Estado de Israel judeu, ou de cultura mosaica, é sentido por muitos muçulmanos como um espinho encravado na região de cultura islâmica. A extinção de Israel ainda consta nos discursos de alguns grupos. Atualmente tem sido articulado menos pelos aiatolás iranianos, depois de o Iran ter acordado um controle de suas atividades nucleares e promover o retorno a condições normalizadas no comércio internacional. Mas não existe uma perspectiva para o assentamento do conflito entre israelenses e palestinos, continuamente atiçado pela prática de criação de colônias judaicas fora no território oficial de Israel.
De um lado há de se constatar que a criação do Estado de Israel ofereceu a judeus um território onde estão a salvo de discriminações, perseguições e morticínios. Por outro lado não pode ser perdido de vista que o estabelecimento de Israel não se deveu a um acordo, mas resultou de uma conquista militar posteriormente expandida até incorporar a cidade de Jerusalém. Israel foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas desde a primeira hora, em 1949. Um povo identificado por uma religião passou a ter um território constituindo uma nação. Trata-se de uma experiência bem sucedida, mas a pacificação dos espíritos dos perdedores ainda está em aberto. Não se pode considerar que a manutenção de um país pelo constante emprego do poder militar seja uma situação sustentável. Há de se propor um ambiente reconhecido como favorável para todos envolvidos.
Com 8,5 milhões de habitantes vivendo em 20.700 km2, renda PIB/h US$ 35,9 e IDH de 0,894 (2014) – muito alto – o Estado de Israel tem condições de se integrar na União Europeia. [compare acima os dados para a Turquia]
Componentes de um cenário desejável.
As dificuldades de uma pacificação tornam-se mais claras quando se procura delinear um cenário como meta a ser realizada. Todavia é preciso ter uma imagem de objetivos, quer dizer Metas, por mais difícil que pareça alcançá-los, para ao menos ter parâmetros para atitudes e ações coerentes e poder avaliar das mudanças na situação. A conscientização das dificuldades é um primeiro passo para a formulação de caminhos para superá-las. Estes caminhos são políticas e estratégias.
Pressupõe-se que a grande maioria das pessoas em qualquer sociedade não é agressiva. As motivações básicas são a sobrevivência – procura por alimentos, abrigo e vestuário – e a segurança – zelo por manter as condições de sobrevivência. Reconhecimento e sentimento de estima veem em terceiro lugar. É preciso que as pessoas sejam desviadas dos seus comportamentos normais para participarem e mesmo se engajarem em conflitos. Tais agentes são os detentores de poderes: Políticos e sacerdotes. O comportamento normal compreende o temor de perder a vida e de sofrer ferimentos. Num cenário desejável não deve haver agentes estimuladores de conflitos – guerras. Esta é a segunda condição – simples e óbvia – para o estabelecimento de um ambiente pacífico.
No nível dos Estados / Governos as condições para a prevalência da Paz foram formuladas por Emmanuel Kant na segunda metade do século XVIII. Kant viveu na cidade de Königsberg, na Prússia Oriental, na era do Iluminismo. Os governos eram então monárquicos e, na prática, autoritários. As condições formuladas na obra “Vom ewigen Frieden” – “Da Paz eterna” – são: Separação de poder legislativo e poder executivo nos Estados, o que denominou de regime republicano; uma federação entre Estados e o direito de hospedagem dos cidadãos dos estados federados em todos os Estados. Estas condições foram realizadas na União Europeia no século XX após a Segunda Guerra Mundial. Os hoje 27 Estados federados têm regimes de governo democráticos parlamentaristas; há monarquias e presidencialismos. Formalmente, os estados europeus são laicos. Considera-se que democracias sejam avessas a guerras.
Adotando-se as condições formuladas pelo filósofo o cenário pacífico no Oriente Médio compreenderia:
– Estados onde os poderes legislativo e executivo são separados, de forma que os poderes executivos não recebessem os recursos para investidas bélicas. Esta condição elimina os tiranos.
– Uma federação ou diversas federações de Estados independentes.
– A livre circulação dos habitantes entre os Estados.
Condições e modelos de abordagens para a pacificação.
Antes de tudo é preciso eliminar os propagandistas de confrontações. A promoção de um cenário, das Metas, favoreceria a abdicação voluntária a ameaças e, por outro lado facilitaria a deposição de tiranos.
A fim de amenizar o conflito com os palestinos, Israel precisa oferecer uma proposta que preveja um domínio de territórios seguros, cooperação e perspectivas de desenvolvimento econômico promissoras além do reconhecimento das perdas sofridas. Jerusalém haverá de ter um status de dupla capital neste contexto. Uma federação compreendendo o Estado de Israel, um Estado Palestino, Jordânia e Líbano poderia se revelar um objetivo comum motivador de todos. Não poderá haver uma condição de trégua ou paz ditada por um vencedor. Existe a possibilidade de repetição da experiência na questão do Kosovo, da presença temporária de contingentes da ONU nos territórios palestinos com a retirada das forças israelenses.
Outro problema na região, ainda não abordado neste texto, é a realização do esforço do povo curdo pela configuração de um estado nacional. A oposição da Turquia tem caráter nitidamente imperialista. Caberia à ONU se empenhar tanto pela solução do conflito entre israelenses e palestinos, como pela realização da justa causa curda. E também a UE haveria de condicionar o acolhimento da Turquia, em si benéfica, ao estabelecimento de um Estado Curdistão, assim reforçando um posicionamento da ONU. Também nos territórios curdos a segurança e a trégua entre os contentores poderia ser assegurada por contingentes militares da ONU e/ou da EU.
Observe-se em ambos os casos se apresenta a adesão à UE como um elemento novo, mas estimulante, para a indução de entendimentos. Os povos europeus – com cultura cristã – demonstrando simpatia, compreensão e acolhimento aos povos com outras culturas e religiões, estariam contribuindo para o apaziguamento dos espíritos e a disposição a compromissos.
Mais difícil é vislumbrar o término das atividades bélicas na Síria e no Iraque. Uma condição seria o afastamento do tirano Assad do governo da Síria, que trucida partes da própria população. Ambas as maiores cidades, Bagdá, no Iraque, e Damasco, na Síria, estão em centros de dominação xiita. Por isso são os governos do Iraque e da Síria são apoiados pelo Iran. Os ‘rebeldes sunitas’ contam com o apoio dos Estados Unidos e da Arábia Saudita contra o EI e Assad, mas não detêm um território com uma capital. E sem uma participação nas rendas do petróleo em territórios de maioria xiita estariam sem sustentação econômica. As partes lutam pela sobrevivência. É possível que o exército de Assad acabe se impondo. Esta hipótese não apresenta nenhuma perspectiva de uma pacificação consistente.
Tanto um Estado Sírio, como um Estado Iraquiano não têm como aceitar o estabelecimento de um EI. A fim de evitá-lo haveriam de instituir coalizões internas entre as diversas facções. Com este compartilhamento de interesses, uma federação da Síria com o Iraque, que, eventualmente, ajudaria a superar os defeitos de nascimento desses Estados depois da Primeira Guerra Mundial, talvez fosse uma ajuda. A UE haveria de oferecer fortes ajudas para a reconstrução dos escombros da guerra e para a criação de oportunidades de trabalho na região.