Como Israel venceu um dos seus maiores desafios e transformou-se em uma nação com excesso de recursos hídricos?
Uma fonte de problemas políticos e econômicos
Desde antes da criação do Estado, a questão do abastecimento de água esteve na pauta de prioridades das lideranças sionistas. Um dos motivos da criação dos livros brancos na época do mandato britânico, que restringiam à imigração de judeus a terra de Israel na época do Ishuv, foi o relatório escrito peloexpert em agricultura, Sir John Hope Simpson, que apontava para um gargalo no suprimento de água na região, impedindo assim qualquer aumento populacional, sob pena de uma total escassez de recursos hídricos para seus habitantes.
A apreensão apenas se intensificou após 1948. Em menos de dez anos, a população do país mais do que duplicou e a falta de suprimento de água figurava entre os principais desafios do recém-criado estado.
O tempo passou, mas o desafio continuava. O desenvolvimento agrícola restringia-se de acordo com as possibilidades do país – a escolha do tipo de produto agrícola dependia da quantidade de água necessária para o seu plantio. A disputa pelos recursos hídricos serviu de fonte de atritos políticos tanto com a Síria, como com a Jordânia. Inclusive, a disputa pela água do rio Jordão foi um dos principais motivos causadores da Guerra dos Seis Dias. Ou seja, a água era tanto um problema estratégico interno que limitava o desenvolvimento econômico, como uma fonte reincidente de atritos com os países vizinhos.
Se a demanda aumenta…
Sir John Hope Simpson tinha razão em dizer que o aumento da demanda tornaria inviável a questão hídrica no país, mas ele errou em acreditar que a oferta de água se manteria estática.
Havia espaço para novas fronteiras tecnológicas. A revolução teve origem na utilização de duas novas fontes de água não consideradas previamente: a água tratada do esgoto e a água proveniente do processo de dessalinização.
O gráfico 1 nos mostra a evolução da quantidade de água tratada por esgoto (reutilizada para fins agrícolas) e a água obtida por meio do processo de dessalinização em 1990, 2000, 2010 e 2011.
Por falta de dados mais detalhados para todas as categorias, não expus as quantidades atuais, mas estima-se que em 2013, as plantas de dessalinização já detém o potencial de produzir 505 milhões de metros cúbicos (mais que o dobro do que está apontado no gráfico para o ano de 2011). Uma revolução. O avanço tecnológico se deu por conta de um grande investimento do governo em plantas de dessalinização, mesmo quando estas ainda eram economicamente inviáveis.
Na última década, beneficiados pela descoberta de campos de gás natural – fato este que torna menos custosa a produção de água por este método, reconhecido por seu altíssimo consumo de energia – os israelenses passaram a contar com uma fonte segura de abastecimento. Estima-se que o custo baixou de $1 por metro cúbico para $0.40, ou até menos nas plantas mais modernas.
Paralelamente, Israel criou um esquema de tratamento de água de esgoto para fins agrícolas que está entre os mais desenvolvidos do mundo. Como pode ser visto no gráfico 2, a partir de 2011 o uso deste tipo de água foi maior que o uso de água doce na agricultura. A utilização deste recurso tem dois benefícios simultâneos: introduz uma nova e importantíssima fonte de água para o país e reduz a necessidade do uso de fertilizantes, já que a água reciclada já contém diferentes nutrientes que ajudam no enriquecimento do solo.
As consequências
Da mesma forma que no campo político, a questão da água passou de motivos de guerra para a assinatura de acordos de paz com os jordanianos, a receita pode repetir-se agora que Israel goza de um saldo de recursos. Este superávit pode ser uma importante moeda de troca em uma região em que a água ainda é escassa e disputada. Se não diretamente, a elaboração de projetos de cooperação em conjunto com países vizinhos pode vir a ser um fator essencial na criação de uma utópica (hoje em dia!) integração regional.
Gráfico 3 – Variação do nível da água do lago Kineret
Enquanto isso, a população segue observando atentamente o nível de água do lago Kineret (gráfico 3). Anos de poucas chuvas são marcados por apreensão, enquanto anos chuvosos ainda são comemorados. A cultura por aqui continua a mesma, seja por desconhecimento, seja por tradição.
Particularmente, não acredito que a população mudará seu comportamento, já que esta cultura de valorização dos recursos hídricos passou a ser uma marca da sociedade – ela está enraizada no pensamento do israelense.
Mas mais importante que isso, a história da água apresenta uma característica ainda mais marcante desta sociedade. Característica esta que foi a responsável pela idealização, criação e segue hoje sendo um pilar básico da continuação deste Estado: a exímia capacidade de transformar desafios em oportunidades.
Fontes:
http://www.haaretz.com/news/national/1.570374
http://www.mekorot.co.il/HEB/WATERRESOURCESMANAGEMENT/CONSUMEDATA/Pages/default.aspx
http://www.mekorot.co.il/Heb/articles/Pages/Kinneret.aspx
Livro de ouro da agricultura e colonização – Editado pelo jornal Maariv, 2012