Divagações sobre Paz. Parte II: Óbices.

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Divagações sobre Paz.

Parte II:  Óbices

Condições / premissas para a finalização de conflitos.

A pacificação é mais que a interrupção de ações violentas, seja por um armistício, seja por um tratado de paz.  A pacificação implica na superação de uma disposição à ação violenta.  Trata-se de processo íntimo.  Para tornar supérfluos os armamentos precisa ocorrer em todas as partes envolvidas.  A configuração da União Europeia é o exemplo de que a realização de tais processos simultâneos é possível.

No âmbito da massa popular este fato não deveria surpreender.  É o contingente que mais sofre; são os chamados “inocentes atingidos” nos noticiários.  A sua motivação básica é a sobrevivência em condições de vida aceitáveis.  A segunda motivação é a segurança, a continuação da realização destas condições.  As sociedades são pacíficas por natureza e por interesse.

São os contingentes dirigentes das sociedades que têm interesses reais – econômicos – ou imaginados – ideológicos, religiosos – e sentimentos de prestígio, que resultam em conflitos, sobretudo guerras.  O processo íntimo de reposicionamento inicia com o reconhecimento da vanidade de tais objetivos, incompatíveis com o bem-comum de todas as populações.  Com o desenvolvimento tecnológico da produção, tanto agrícola como industrial, o domínio sobre extensos territórios nacionais ou coloniais e populações numerosas perdeu o significado.

O passo seguinte ao reposicionamento unilateral é o “Reconhecimento de Culpa” e a “Concessão de Perdão” recíprocos por ocorrências históricas, que só os representantes das sociedades têm condições de expressar. 

A aversão aos conflitos armados é manifesta em todas as sociedades com regimes de governo democráticos.  Tais sociedades pressionam os respectivos governos por manutenção da paz.  A sociedade dos Estados Unidos pressionou o seu governo pela finalização da Guerra do Vietnam, que em termos militares poderia ser vitoriosa.  Tais sociedades não contestam anseios de liberdade e de autodeterminação de outras sociedades.  Portanto, o fim de regimes autoritários e o respeito à autodeterminação do povo curdo por parte dos governos da Turquia e do Irã são premissas para a pacificação da região do Oriente Médio.

 —  Condições internas das sociedades para uma situação pacífica.

A referência a regimes de governo despóticos e mesmo tirânicos na abordagem das premissas para a finalização dos conflitos, forçosamente, vale para a iniciação dos conflitos bélicos.  Governos com práticas ditatoriais e repressão interna podem estar transvestidos de democracia pelo fato de arranjarem eleições.  A Turquia e a Síria são exemplos.  Irã e Arábia Saudita são ditaduras de religião.  A Jordânia é um exemplo de monarquia moderadamente esclarecida.  Os povos de religião muçulmana não têm experiências históricas da Reforma religiosa, da formação de contingentes “burgueses” postulantes de liberdades em relação aos governantes ou de revoluções contra os poderes.  E ficaram à margem da Revolução Industrial.  Estas são algumas razões porque ainda são governados por regimes autoritários opressores.  Estes dominam os meios de comunicação e instigam motivações a conflitos étnicos e religiosos além de empreenderem aventuras imperialistas, como a ocupação do Kweit.

Já Platão, no século IV a.c., demonstrou os riscos que regimes tirânicos representam para a comunidade; na época era a cidade-estado.  Na parte do Mundo com cultura ocidental não existem mais regimes tirânicos.  Os regimes de governo são democráticos com direito universal ao voto.  A Rússia é uma exceção; pode-se intuir que a população não apoiaria aventuras imperialistas, caso vigorasse a liberdade de imprensa e de expressão no lugar da propaganda nacionalista do governo.

Tem-se verificado que a substituição dos regimes obsoletos por modelos de regime importados é muito difícil.  Não existem instituições informais para dar sustentação às instituições formais de gestão e política interna.  Os contingentes que exerceram o poder antes da derrubada de um sistema continuam influentes e com os mesmos interesses; quebras de paradigmas de comportamentos – de atitudes – não acontecem instantaneamente.

A expectativa, embora trágica, é que os conflitos armados e os números de vítimas acabem esgotando o ímpeto dos contraentes e liquidando os regimes despóticos.

—  Alguns obstáculos adicionais à prevenção de conflitos bélicos.

Demonstrou-se equivocada, ou de causar efeitos não previsíveis, o empenho de governos ditatoriais – déspotas – pelos Estados Unidos como aliados durante a guerra fria – Mubarack do Egito e Gadaffi da Tunísia – e, para combater vizinhos, – Irak de Saddam Hussein contra o Irã.  Talvez não se tivera alternativas se não combater diretamente, o que a povo americano não teria aceito e a sociedade global também não.

Manter a ordem por tempo indeterminado via opressão despótica não é mais possível; aconteceram as sublevações denominadas “Primavera Árabe”.  Mas os países citados e outros de cultura muçulmana não têm experiências históricas de governos “republicanos” – na definição de Kant -, nem de uma revolução industrial com formação de uma burguesia.  Não estão preparados institucionalmente para regimes democráticos.  Então já o estabelecimento da paz interna nestas sociedades é difícil.

Países envolvidos em conflitos gastam altas parcelas de suas rendas com armamentos, que potencialmente aumentam a probabilidade da ocorrência de guerras.  Exemplos atuais:  Arábia Saudita e Irã.  Um embargo de fornecimento de armas é improvável, pois existem interesses de fornecimento pelas indústrias bélicas de muitos países:  Rússia, Estados Unidos, China e da União Europeia.

 

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