Considerações sobre “elites dirigentes” no Brasil. Parte I: Dos conceitos.
Considerações sobre “elites dirigentes” no Brasil. Parte I: dos conceitos.
Introdução: Da cena.
Estas observações e considerações são um improviso motivado pela matéria de Sérgio Fausto “No Brasil faltam elites dirigentes” no O Estado de S.Paulo de 31. 01. 2016, pág. A2. O autor se refere como exemplos a personalidades políticas como Ulisses Guimarães e Tancredo Neves formados no período pré-1964, além de citar empresários como José Ermírio de Moraes e José Mindlin, e Evaristo Arns e Ivo Lorscheiter entre os clérigos. Diz que os políticos que se formaram na oposição ao regime autoritário não substituíram os antecessores à altura, ”incluídos os que, uma vez no poder, jogaram na lata do lixo sua responsabilidade histórica, confundindo o país com o partido”. Relata que atualmente “a culpa pela ausência de uma alternativa clara ao status quo em geral é atribuída aos partidos de oposição, particularmente ao PSDB. Seria uma crítica em parte merecida”. Refletindo e reforçando esses problemas, prevalece na sociedade a ideia de que a política é essencialmente ”suja” e os governos, necessariamente, “corruptos”, num círculo vicioso que afasta da vida pública a maior parte dos indivíduos que mais poderiam contribuir para melhorar a qualidade da política e do Estado”.
Em linhas gerais a cena está bem descrita. Acontece que não se pode admitir que perdure. E não devem faltar os talentos para realizar mudanças.
Premissas para uma mudança:
A primeira consideração sobre uma mudança haverá de tratar de uma visão de objetivo: O que se quer alcançar? Qual é a Meta?
Sem risco de erro pode-se afirmar, que no Brasil os 30% a 40% da população no alto da pirâmide social e da instrução não desejam outra forma de governo que a Democracia fundamentada numa Constituição, que é o regime existente. Estão em desacordo com a forma de gestão: Com a corrupção sistematizada, com os excessivos gastos de custeio, com as condições estruturais causadoras de baixa produtividade e competitividade, com a incompetência na direção da economia, com os discursos sofistas e mentirosos, com o desrespeito aos recursos públicos etc. As fraquezas dos sistemas de saúde e de educação pública são acusadas por uma parte ainda maior da população. Como então remediar a situação que vem se agravando?
A Meta seria: O aprimorando do regime democrático e da gestão pública. Realmente um regime democrático com funcionamento satisfatório “não cai do céu pronto e acabado”. Felizes são as gerações que herdam um regime não autoritário. Mas a condução da democracia precisa ser aprendida por cada geração. O seu custo de aprendizado não se restringe ao processo de implantação. O aprendizado é um processo custoso continuado. Agora está se aprendendo no Brasil, que a Democracia para bem funcionar requer mais dos cidadãos que o exercício do voto, quando em tese participariam na decisão sobre rumos a seguir e sobre projetos de governo. Observa-se, com espanto, que sem um controle dos representantes eleitos pela cidadania eleitora a probabilidade de ocorrem desmandos é quase certeza. Acontece, por exemplo, que a importância do respeito aos limites do orçamento, do cumprimento da Lei da Responsabilidade Fiscal, não estava consolidada na percepção da sociedade. Hoje mesmo, vivendo-se as consequências na forma de inflação e desemprego, a indignação pelo descumprimento proposital da Lei pelo governo ainda não compete com a indignação pela corrupção e enriquecimento ilícito de políticos.
Neste impasse se situa o sentimento de ausência de uma Liderança para solucionar os problemas vivenciados: Seria um vulto difuso mas poderoso, com poderes mágicos. Deseja-se que um líder advindo das “elites dirigentes” presenteie o povo, inclusive os contingentes mais instruídos, que se sentem incapazes de formular e de exigir ações para a solução dos problemas, que afligem.
Cabem questões sobre a qualidade e os riscos deste sonho. Não constituiria um abandono da democracia a favor de uma “autoridade” todo-poderosa, quiçás um monarca,? Não seria um sonho infantil de dispensa do esforço do exercício de responsabilidades?
Da Democracia e da Responsabilidade Cidadã.
Democracia e Responsabilidade são termos usados com facilidade, até para produzir “ambiente”. O que significam de verdade? A que comprometem?
Em geral se entende por Democracia um regime de governo em que o povo participa exercendo o voto, onde os dirigentes são substituíveis pelo menos no fim de um período de gestão. Implicitamente, o regime de governo democrático é percebido como provedor de ambiente de liberdade, por exemplo, para empreender um negócio e ter um direito a propriedade privada. Desta forma está vinculado a um sistema econômico liberal. De fato o desenvolvimento social direcionado à democracia começou com lutas pela propriedade privada, pela liberdade do empreendedor e pela limitação do poder de arrecadação do governo através de orçamentos autorizados pela cidadania. Esta cidadania, inicialmente e por muito tempo restringiu-se aos contingentes economicamente poderosos: Primeiro aos possuidores de terras – nobres -, depois aos comerciantes e industriais seguidos por profissionais – a burguesia. O partido dos trabalhadores na Grã-Bretanha – o Labour Party – só foi constituído em 1900. Os trabalhadores industriais e agrários e as mulheres só alcançaram o direito geral ao voto – à igualdade política – depois da Primeira Guerra Mundial. Neste empenho os esforços por maior segurança econômica e participação nas decisões políticas pela base da sociedade industrial foram desempenhados pelos partidos “de esquerda” ou “progressistas”, a exemplo dos partidos socialdemocratas. Eles enfrentaram a resistência dos partidos “de direita” ou “conservadores”. Portanto, a Democracia, como a vivenciamos e entendemos intuitivamente hoje, resultou de muitas lutas e sacrifícios de vida. Representa um valor de que o cidadão hoje pouco se dá conta. Em muitas sociedades atuais a sua prática ainda não se estabeleceu ou é precária.
Tal prática depende das percepções das sociedades. Isto significa que mesmo nos países mais adiantados existam espaços para o aperfeiçoamento. Significa também, que a Democracia é uma instituição vulnerável. As liberdades de atuação, que protege, oferecem oportunidades a abusos e a tentativas de subversão. Os riscos de deterioração de regimes democráticos de governo nem sempre são percebidos por uma população que tende a se manter distante da “política”. Todas as gerações que herdam um regime de governo democrático haverão de aprender a se engajar pela sustentação das instituições que lhe garantem liberdade e a possibilidade de participação. Trata-se do exercício de uma Responsabilidade que deve ser entendida como o reverso da medalha da Liberdade: A Responsabilidade Cidadã.
Isto significa que uma Responsabilidade Política pela manutenção do funcionamento satisfatório das instituições do Governo e do Estado se soma às demais responsabilidades, que o cidadão já desempenha independente do sistema político, em que vive. A desagregação da ordem ou o restabelecimento de regimes autoritários, quando a cidadania não consegue chegar a uma coesão responsável após a eliminação de ditaduras é observável na “Primavera Árabe” e na desagregação da União Soviética.
No caso da Rússia sobreveio uma pseudo-democracia, um regime em que há eleições mas um líder carismático dirige, praticamente com um único partido. Não existe na Rússia a experiência de um regime de liberdades democráticas: O regime autoritário monárquico foi seguido da ditadura não menos cruel comunista. Também nas sociedades com religião muçulmana no norte da África e no Oriente Próximo regimes de força estão na tradição cultural, difícil de ser superada.
A Índia se destaca como o maior país com regime de governo democrático apesar de abrigar imensos contingentes pobres e diversas línguas, culturas e etnias. Deve esta posição ao legado da educação administrativa do domínio britânico e ao líder da independência pacífica Mahatma Ghandi, depois de uma violenta separação do Paquistão muçulmano.
Do conjunto de responsabilidades de um cidadão.
As responsabilidades referem-se à sobrevivência com alcances ou âmbitos sucessivamente mais amplos.
Responsabilidades de um Cidadão
Horizonte temporal Âmbito
– Pela sobrevivência própria e de sua família presente / duração da vida privado
– Pelas Organizações em que atua presente / continuidade produção organização
– Pelo bem-comum presente / gerações atuais político nacional infinito / gerações futuras global / sustentabilidade
Embora não seja consciente, a responsabilidade está vinculada a uma reciprocidade. Uma situação de escambo de escambo serve de modelo. Numa família se compensam proteções. No ambiente de trabalho se compensam contribuições por renda para a sustentação própria e da família. Quando o empenho se estende ao zelo pela continuação da organização, que é a condição de continuidade de oferecer ocupação e renda a todos os colaboradores pelo empreendimento, o colaborador assume, segundo Peter Drucker a condição de “educated person”. Ainda segundo Peter Drucker, as organizações teriam de se empenhar pela sobrevivência das sociedades. Mas as organizações são pessoas jurídicas, estruturas virtuais. Os efeitos de suas atuações estão nas sociedades, mas elas são exercidas pelos colaboradores, pessoas físicas. Quando estas compreendem as ações necessárias em favor do bem-comum e por estas se empenham passamos a considerá-las “Cidadãos por Responsabilidade”. Na Situação Global Atual os horizontes da responsabilidade não se limitam ao presente político nacional, mas alcançam futuros ilimitados de sobrevivência da humanidade.
Cabe observar e ter em consideração, que o desempenho de responsabilidades nos diversos âmbitos constitui uma atitude. Assim sendo é voluntário, unilateral, não transmissível, nem negociável.
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