Divagações sobre Paz. Parte III: Reflexões selecionadas sobre Guerra e Paz.
Divagações selecionadas sobre Guerra e Paz.
Parte III: Reflexões selecionadas sobre Guerra e Paz.
De registros históricos da ocupação com a Guerra e a Paz anteriores à noção de sustentabilidade.
As considerações sobre o estabelecimento da Paz como abstenção a recursos violentos – guerras – referiram-se a conflitos atuais como estágio no trajeto para uma Situação Sustentável. Intui-se que esta meta global possivelmente induza mudanças comportamentais que favoreçam o estabelecimento do ambiente pacífico. A seguir se tentará cotejar as considerações deste ensaio com registros históricos de esforços por entendimento.
Há registros de procura de entendimento de ocorrências de conflitos bélicos, de habilidades de execução, de relacionamentos de formas de governo com comportamentos e paz interna – cívica – que datam das eras mais remotas das configurações de culturas. A amostra seguinte é aleatória. O espaço só permite salientar alguns aspectos mais significativos.
– China: Sun Tzu “A arte de guerra”. [Fonte: Nova interpretação, tradução do inglês de Sonia Coutinho, Rio de Janeiro, 2001, Elsevier – 7a reimpressão]
“Cerca de 2.300 anos atrás – século IV a.C., na região que hoje é o norte da China, uma linhagem de líderes militares expressou sua sabedoria coletiva, pela primeira vez, sob forma escrita”. Seu texto que modelaria o pensamento estratégico de toda a Ásia Oriental, ofereceria uma perspectiva radicalmente nova sobre o conflito, pela qual se podia alcançar a vitória sem entrar em combate”. “Segundo a lenda Sun Tzu realizou brilhantes campanhas mais ou menos na época de Confúcio, no século VI a.C.”
Antes de tudo se trata de recomendações de comportamento. Aborda estratégia, tática e qualidades do general. Mas “a (melhor) vitória está em levar os outros a adotar uma visão mais ampla – que inclua a deles próprios – sem jamais entrar em combate.” A frase – verso – mais famosa declara:
“Subjugar o outro sem combate é a demonstração da maior habilidade”.
O interesse que o livro desperta até hoje pode ser conferido nas livrarias e mesmo bancas de jornais. Serviria para procurar o entendimento da política chinesa, pois é evidente que serve de guia aos seus dirigentes. A China procuraria se impor no ambiente global sem recorrer a recursos bélicos e opera na defensiva.
A sua validade transparece na vitória dos Estados Unidos, como líder da comunidade ocidental, sobre a União Soviética na Guerra Fria….isto é, em que não ocorreu confrontação armada.
Uma conclusão, por óbvia que seja, é que “sem agressor não há combate”.
– Moisés e o mito das Tábuas das Leis no Antigo Testamento: O Quinto Mandamento ordena “Não matarás”. Não está explicito, mas entende-se que se referia ao comportamento entre os pertencentes ao povo, pois a “terra prometida” foi conquistada pelas armas. De qualquer forma está na base da cultura judaico-cristã. As tradições orais das tribos judaicas foram redigidas durante o cativeiro na Babilônia…. A origem dos alfabetos da cultura europeia é devida aos fenícios.
De qualquer forma, não há registro de incitação à guerra na tradição judaica. E também não no Novo Testamento. Este recomenda a humildade de todos, independente do status social, e até a submissão a destinos penosos. A doutrina desenvolveu grande popularidade, o que induziu a monarcas aderir ao Cristianismo. Adiante os sacerdotes procuraram se valer do espírito popular para fundamentar poderes políticos. A obediência impunha-se à razão e à liberdade.
Observação: É notório que as Igrejas Cristãs não se opuseram à formação de ambientes hostis nem à eclosão de conflitos armados, considerando-se apenas o período histórico pós-Napoleão. Assim visto, por não defenderem a Vida como maior valor a ser considerado, foram coniventes com todos os massacres de vidas humanas da Primeira e da Segunda Guerra Mundial.
– Os atenienses Sócrates e Platão (fal.347 a.C), iniciador da filosofia política, e Aristóteles(fal. 322 a.C) [Fonte: “Die politische Philosophie” de Anne Baudart, traduzido para o alemão por Dr Jochen Grube, volume 8 da coleção DOMINO da BLT, impresso na França, 1998]
Platão tinha 28 anos de idade, quando o seu mestre Sócrates foi condenado à morte em 399 a.C pelo democraticamente eleito tribunal de Atenas. Platão ficou perplexo com a injustiça – o crime – cometido. Desistiu da carreira política que como aristocrata lhe cabia, para procurar explicações sobre a decadência da democracia estabelecida 200 anos antes. Sócrates apenas havia exortado à moderação, ao autoestudo, à virtude, à ação segundo a consciência, ao retorno aos valores que se perderam pela desmedida ambição de poder. A fascinação que ele exercia sobre os seus discípulos suscitou o receio que obtivesse influência demasiada e perigosa aos interesses pelo que a sua mensagem foi desfigurada como perigosa à ordem pública. Lecionava que soberba haveria de ser combatida, pois gerava confusão, violência, desigualdade, barbaridade e anarquia. Sócrates não contestou o veredito; não articulou uma defesa. [ Curioso paralelismo com a situação do julgamento de Cristo três séculos depois]
Entre outras questões Platão indagou por uma constituição que impedisse a repetição de tamanha injustiça pública. Condenou os despotismos.
Aristóteles foi discípulo de Platão e fundou uma escola própria. Entendeu a política tanto como ciência como arte. Como ciência orientada para a prática ensina a prudência e trata das vantagens da cidade – da vida em sociedade -, intrinsecamente ligada ao bem-estar individual. Para Aristóteles o Bem é a Justiça e o Bem-Comum, equivalentes à Virtude da vida cidadã. Justo só é aquele que traz felicidade para toda a comunidade. Considera como sendo a melhor forma de Estado em que rege a lei e não o capricho de pessoas. Pregou o comedimento. Pregou a manutenção de um equilíbrio entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário no Estado e o Estado com o papel de administrador e regulador das Liberdades. [Foi precursor do iluminismo com Montesquieu]
Observamos que no ambiente cultural helenístico o bem e a ordem resultam da percepção das pessoas, que deveriam ser livres para a própria conscientização. Não há uma subordinação a mandamentos transcendentais. Por consequência não há posições de poder de sacerdotes. A orientação ao bem da comunidade constitui, implicitamente, uma Responsabilidade.
Platão e Aristóteles se preocuparam com a educação dos jovens para a ação em prol do Bem, da Felicidade e da Prosperidade da Cidade (sociedade).
Isto significa que cada geração precisa aprender toda a lição para que se consiga impedir a degeneração da democracia.
Observação: Os mestres-filósofos dirigiam-se a indivíduos pertencentes ao contingente da sociedade dominante da cidade. Tentavam formar as elites. Desde Sócrates os participantes de uma “comunidade de humanos livres”, de iguais, devem promover a convergência e não o choque de forças caóticas, devem apoiar a paz e não a guerra, a amizade e não o conflito.
Pergunta-se: Por serem ideais elitários, constituiriam uma utopia?
– Tratado filosófico de Emmanuel Kant: A Paz Perpétua (1795). [Fonte: http://www.lusosofia.net/textos/kant_immanuel_paz_perpetua.pdf ] : https://pt.wikipedia.org/wiki/immanuel_kant ]
Kant viveu de 1724 a 1808 em Königsberg, na Prússia Oriental, cidade que nunca deixou. Não frequentou cortes. Foi contemporâneo de Frederico II, da Prússia, da Independência dos Estados Unidos, da Revolução Francesa, de Napoleão, de Clausewitz, dos iluministas franceses como Voltaire, Rousseau, etc, de Adam Smith, Goethe e Beethoven.
As referências históricas de Kant foram as mesmas de Clausewitz – vide abaixo -, mas ele não se ocupou com a guerra, mas com o comportamento humano, o direito e a moral estudados com o recurso único da razão. Por muitos é considerado o mais importante filósofo moderno. Pela sequencia de suas obras podemos afirmar que a Paz Perpétua foi sistematicamente preparada, embora não de propósito. Assim – A Critica da Razão Pura é datada de 1781, – Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785), por muitos considerada a mais importante obra sobre moral e onde formula o “Imperativo Categórico”, – a Crítica da Razão Prática de 1788, – a Crítica do Julgamento de 1790. – A Paz Perpétua, ou Eterna, data de 1795.
Kant é provavelmente mais bem conhecido pela teoria sobre uma obrigação moral única e geral, que explica todas as outras obrigações, que temos: O Imperativo Categórico “age de tal forma que a máxima de tua ação se possa tornar princípio de uma legislação universal”. [Observação: Obrigação tanto pode significa dever – “Pflicht” – como responsabilidade – “Verantwortung” -.
Kant pertenceu ao importante período histórico de formação da cultura “ocidental” denominado iluminismo. A sua definição de iluminismo no texto “O que é iluminismo?” (1784) é: “O iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma tutelagem que estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da própria razão independentemente da direção de outrem. É-se culpado da própria tutelagem quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento mas da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento independentemente da direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! – esse é o lema do iluminismo“.]
Em outras palavras Kant defendia a pessoa livre, o Cidadão Responsável. Infelizmente ele não teve uma influência o suficiente forte para prevenir o ambiente autoritário, que se constituiu com a formação do Reich em 1871.
Em “Paz Perpétua” Kant define três “artigos definitivos”
Primeiro: A Constituição Civil em cada Estado deve ser republicana. “Republicano” como modo de governo significando a separação entre o poder executivo (governo) e o poder legislativo, em distinção de “despótico”.
Segundo: O direito das gentes deve fundar-se numa federação de Estados livres.
Terceiro: O direito cosmopolitano deve limitar-se às condições de hospitalidade universal, que é o direito que permite a todos os homens de apresentar-se na sociedade. Por fim a não violação do direito cosmopolitano e o direito público da público da humanidade criará condições para favorecer a Paz Perpétua, proporcionando a esperança de uma possível aproximação do estado pacífico.
Observações: – Kant deduz, pela razão, que a Paz Perpétua é possível, sob diversas condições. – É bastante interessante que a federação de Estados com Constituições Republicanas está realizada na União Europeia. – Kant não conheceu o desenvolvimento da burguesia em consequência da Revolução Industrial. – Portanto Kant não cogitou das responsabilidades / deveres do cidadão pela configuração e pela Constituição do Estado. Não teve uma visão de democracia; viveu num ambiente monárquico, anterior à formação do Estado da Alemanha. – Por consequência não incluiu o estabelecimento das condições para Paz Perpétua entre as obrigações dos cidadãos contemporâneos.
Carl von Clausewitz “Vom Kriege” (1832) [Fonte: Clausewitz – On War, Pelican Classics, London,1979]
Tradução da adaptada da contracapa: “Em seu famoso tratado On War (1832) Carl von Clausewitz pode ser considerado quem converteu Napoleão em teoria. Ele é muito lembrado por sua definição de que “guerra é a continuação da política por outros meios” e por suas observações sobre a guerra total. Cabe lembrar que Clausewitz distinguiu entre guerra judiciosa – justa, sensata, acertada (decisão) – e guerra não judiciosa. O relacionamento que ele detectou entre guerra e política significa que a guerra só pode ser feita em determinadas circunstâncias”– excepcionais.
Observação: Clausewitz é considerado o filósofo da guerra. A guerra é então entendida como uma ocorrência “normal” nos atritos entre os povos. Esta percepção foi dominante nos contingentes dirigentes pelo menos até as guerras imperialistas da Primeira Guerra Mundial. Supostamente, Clausewitz não teria considerado judiciosas pelo menos as atitudes do governo Austro-Húngaro. As campanhas pela unificação da Alemanha conduzidas por Bismark, possivelmente, sim.
Observação: As referências históricas de Clausewitz – no sécolo XVIII – foram nobres que regiam sobre seus territórios á semelhança de um pequeno empresário. Os seus interesses eram por aumento do território, da população, dos impostos, dos recursos minerais. Frederico II da Prússia seria um exemplo típico. Os “reis” tinham consultores para avaliar os riscos e os ganhos potenciais. No futuro identificou os Estados nacionais, com maiores contingentes das sociedades participando dos interesses – e das políticas. O colonialismo, por exemplo, o britânico, não foi objeto de seus estudos. Clausewitz faleceu em 1831. Não presenciou a expansão da Revolução Industrial.
Observação: Clausevitz foi motivado pela derrota esmagadora do exército prussiano por Napoleão (1791). Das lições, que formulou, resultou a reorganização que levou às vitórias sobre Napoleão e depois às das campanhas da Prússia pela união da Alemanha, sob Bismark.
Observação: A sua obra teve grande influência no pensamento político e militar. O foco exclusivo do profissional Clausewitz na força militar e seu emprego na guerra, com exclusão da ética / moral, mesmo estabelecendo a ascendência do político – monarca – sobre o general, isto é, sem referência ao valor da vida dos súditos, deve ter contribuído para a configuração do ambiente que resultou na Primeira Guerra Mundial, após cerca 100 anos de relativa paz na Europa. É presumível que tenha contribuído para inibir uma rejeição do comando militar alemão ao nazismo.
Observação: Não se pode responsabilizar Clausewitz por não ter sido desenvolvida até hoje uma Filosofia da Paz, que tivesse mobilizado todas as sociedades, até para a desobediência civil em determinadas circunstâncias.
Observação: Em relação às circunstâncias físicas, materiais e sociais no inicio do século XIX as circunstâncias na atualidade do inicio do século XXI são muito diferentes: Ocorreu uma revolução industrial em impulsos sucessivos, acontecendo agora a da informação via Internet; a prosperidade e o conforto alcançaram níveis antes inimagináveis para cerca de 15% da população global; o conhecimento é amplamente difundido; as responsabilidades estão descentralizadas tendo emergido o Trabalhador do Conhecimento – caracterizado por Peter Drucker em “Post-capitalist society” –, ocorre a globalização da produção, estabeleceu-se a União Europeia e mesmo uma moeda comum, desde 1990 os regimes de governo democráticos expandiram-se mundo afora. A hipótese da utilização de armas termonucleares sustenta a percepção do absurdo da guerra. O reconhecimento do absurdo de ‘grandes guerras’ induz condenações de ‘guerras restritas’, mesmo de contra-insurgências. Está se tornando perceptível / percebido que a guerra não é a continuação da política com outros meios mas o fracasso da política.
Questão: Como evoluíram as circunstâncias sociais e os critérios de decisão sobre o empenho em conflitos armados?
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